Qual a frequência de atualização do rol de procedimentos da ANS?

Apesar de decisão do STJ impor condições mais restritas, a própria agência se mostra mais atuante na regulação setorial.

 

Em decisão recente, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o rol de procedimentos mantido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem caráter taxativo para os planos de saúde, os quais não estariam obrigados a cobrir remédios e tratamentos que não constem da lista aprovada pela autarquia.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, argumentou em seu voto vencedor que a taxatividade do rol da ANS é essencial ao funcionamento adequado do sistema de saúde suplementar, pois garante coerência e estabilidade para o sistema, impedindo que a concessão ad hoc de tratamentos onerosos eleve imprevisivelmente os custos dos planos afetando as condições de acesso aos serviços de saúde complementar. Ao estabelecer que o rol é taxativo, a corte estaria assegurando que a introdução de novos produtos no sistema de saúde suplementar fosse precedida de avaliação técnica da ANS, a fim de garantir a eficácia e segurança dos tratamentos.

O posicionamento do STJ, que se baseia na deferência judicial à decisão técnica de uma agência reguladora, foi objeto de diversas críticas. Essas críticas fundamentam-se, em grande medida, no argumento de que o rol não poderia abarcar toda a gama de procedimentos eficazes que poderiam beneficiar pessoas com doenças graves, sobretudo nos casos de indivíduos vulneráveis que são vítimas de doenças raras.

Como resultado do debate público em torno da questão, foi rapidamente proposto e aprovado na Câmara dos Deputados o PL 2033/2022, que torna o rol da ANS exemplificativo por previsão legal. O projeto também já foi aprovado pelo Senado, e segue para sanção presidencial.

A repercussão deste caso deixa claro que a deferência judicial a decisões técnicas ainda é um tema sensível no Brasil. A despeito de sua defesa pela doutrina jurídica e reconhecimento em decisões do STF (e.g. ADI 5.501 ou ADI 5.779), em muitos temas ela se mostra impopular junto à opinião pública.

Independentemente do que se possa pensar dos méritos ou deméritos da decisão do STJ, os debates públicos não buscaram esclarecer como a ANS mantém e atualiza os procedimentos que constam do seu rol. Não se debateu, em momento algum, se o rol abarca um conjunto amplo e representativo de procedimentos médicos, ou se os processos decisórios por meio dos quais a ANS mantém e atualiza a lista de procedimentos são adequados. Neste texto, procuramos sanar essa lacuna por meio de um levantamento de dados que mostra uma evolução significativa dos processos decisórios da ANS referentes ao seu rol de procedimentos.

Com que frequência a ANS atualiza o rol de procedimentos obrigatórios?

As normas da ANS preveem que a lista de procedimentos incluídos no rol deve ser submetida a um processo de revisão periódica. Recentemente, esse processo teve seu tempo reduzido de dois anos para seis meses, pela Resolução Normativa nº 465/2021. Além dessas revisões, a agência pode fazer alterações extraordinárias do rol, ou seja, alterá-lo por meio de ato normativo simples no período entre um processo de revisão e outro.

Para dimensionar essa segunda forma de alteração do rol, analisamos as normas de alteração extraordinária do rol publicadas pela ANS em seu portal eletrônico. Os dados mostram que nos últimos anos a ANS foi mais atuante e vem publicando maior quantidade de atos de alteração extraordinária do rol de procedimentos, como podemos ver na Figura 1. Confirmamos que essas alterações não eram referentes a procedimentos relacionados à Covid-19, algo que ocorreu em uma única ocasião. Foram feitas, em média, três alterações de procedimento/medicamento por ato extraordinário, sendo apenas 11% delas relacionadas à Covid-19. Se considerarmos apenas atos após o início da pandemia, esse número sobe pouco, para 16%.

Figura 1 – Atos que alteraram rol de procedimentos, excluídas atualizações periódicas

alterações rol da ANS

Observa-se, portanto, que a frequência de atualização do rol de procedimentos vem aumentando significativamente ao longo dos últimos anos, seja pelo fato de que as revisões gerais se tornaram mais frequentes após a aprovação da Resolução Normativa nº 465/2021, seja porque os atos de alteração extraordinária, nos períodos entre cada revisão geral, também se tornaram mais frequentes.

Quem participa das consultas públicas para atualização do rol de procedimentos?

O processo de atualização do rol de procedimentos é precedido por consulta pública, por meio da qual a agência recebe contribuições da sociedade. Analisamos as consultas públicas realizadas para os últimos três processos de revisão cujos dados já haviam sido disponibilizados pela agência, como forma de aferir como se dá a participação da sociedade no processo de revisão do rol de procedimentos. Um primeiro fator surpreendente foi que, em 2020, o volume de contribuições foi cerca de seis vezes maior do que os de processos anteriores.

Figura 2 – Número de contribuições da sociedade em consultas públicas sobre atualização do rol de procedimentos da ANS

contribuição atualizações rol da ANS

Novamente, verificamos que isso não estava relacionado a alterações relativas ao tratamento do coronavírus. Entre as classificações fornecidas pela agência, as contribuições relacionadas a atualizações extraordinárias (Covid-19) tiveram uma participação pouco expressiva nas contribuições recebidas (menos de 1%). A maior parte das contribuições tratou dos procedimentos (50%) e medicamentos (47%) que compõem o rol.

Além disso, encontramos que a maior parte dessas contribuições se deu por parte da sociedade civil; em especial,  profissionais de saúde, pacientes e pessoas relacionadas ao paciente (familiar, amigo ou cuidador). Isso indica que indivíduos que têm relação direta com o setor, seja por atuação profissional, seja por serem usuários dos produtos, têm contribuído com o processo de elaboração normativa junto a ANS.

Figura 3 – Número de contribuições por categoria de contribuinte em audiência pública da ANS de 2020

contribuições por categoria rol da ans

O que identificamos indica um possível sinal positivo de atuação mais ativa da agência, em um cenário em que muitos usuários de planos apresentam preocupação, o que deve gerar confiança considerando o argumento de deferência técnica ao ente regulador. Apesar de a decisão do STJ impor condições mais restritas de acesso a medicamentos e procedimentos, a própria agência se mostra mais atuante na regulação setorial.

Um maior número de alterações normativas, em especial fora do ciclo periódico, somado à maior participação da sociedade civil, pode abrir um novo caminho para acesso à garantia de tratamentos atualmente não cobertos, e que antes só poderiam ser obtidos pela via judicial.

Não se trata de defender a adoção de um rol taxativo, mas apenas de reconhecer que a decisão do STJ reduziria a insegurança jurídica, garantindo um tratamento equânime para todos os usuários com maior atuação da agência no período recente. A solução legislativa proposta não encara os argumentos trazidos na decisão, para o que seria necessário maior consideração do papel da ANS e, possivelmente, de outros órgãos de saúde na definição do rol de procedimentos.

 

Autores:

JOSÉ LUIZ NUNES – Pesquisador CTS-FGV e mestre em Informática pela PUC-Rio
CAMILA LOPES – Pesquisadora CTS-FGV e mestranda em engenharia de dados pela UFF
LUCAS THEVENARD – Pesquisador do Projeto Regulação em Números da FGV Direito Rio

Fonte: JOTA.INFO

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